sábado, 9 de junho de 2012


Momentos



Num momento inicio sorrisos
Num momento interrompo risos
Num momento esqueço
Num momento recordo
Num momento estás
Num momento nasço
Num momento sais
Num momento cesso
Num momento peço
Num outro renego
Num momento escrevo
Num outro rasgo

Momentos estão sobre um leito
Qual rio de caudal rarefeito
Fatais.
Não quero mais
Quero lançá-los às margens,
Procurar-lhes um outro asilo.

Corro
Mergulho no rio insano
E quando quase toco e aniquilo
os despojos noutras paragens…
Impelida
Pressinto-os
muito perto…
em movida
num imenso oceano,
nesse oásis e deserto
a que chamamos Vida.

 Emília Lemos, Sussurros e Caudais, 2012

 As cores do amor

Abres-me a dor de sofrer sem mais…
Sem o ardor das chamas
Sem o fogo, o carmesim que reclamas 

Por dentro arco-íris
Desgarrado pela noite 
Negro
Subtileza
Flor
Incolor
Pálido luar
Boca acesa
Luz a flutuar
Desnorteada.

Branco e torpor
Gente alterada

Amor,
Cinza é a tua cor.  

Emília Lemos, Sussurros e Caudais, 2012
 Memória ali   

Achei-me louca
Da cabeça saíam pedaços
De memória em frenesim
Adormecidos antes
Agora actuantes

Que transgrediam o meu ser
Que se postavam em silhuetas frente a mim

Depois
Não mais paravam
E pedaços e pedaços se uniformizavam
Até
A uma extensão de um só corpo

E a vetusta memória
Ali estava
Altiva garbosa perene
Viva
Face a um eu vazado
Atormentado
Redutível
E ela palpável visível
Iniludível
Engrandecida
Em suspenso de um sorriso sem vida
Em suspenso de uma mão recolhida

Depois
O êxtase a esmorecer
A esperança a enfraquecer
E a memória a enrouquecer

Silhueta partida,
O amor te desocupou.

Emília Lemos, Sussurros e Caudais, Corpos Editora, 2012


Uníssono

As laranjas do prado eram verdes
pela força das marés
embatendo no campo adormecido
por rectas e viés
por mim e por ti
no abraço esquecido
de um tempo dormente
de um tempo de si perdido
entre verdes e riachos
e canaviais aos cachos.

Ali a força das marés adormecia à sombra dos castanheiros
e os teus cabelos refulgentes se distinguiam
na noite encandeada por estrelas em braseiros
que ansiosas de nós se repetiam.

E éramos as folhas primaveris
e o esgar dos lobos e das aves de rapina
numa floresta adormecida
por um tempo em uníssono de nós
em que a harpa da emoção mais domina.

Por um tempo que não vogara na crina de temeroso barco
Por um tempo de nuvens sem dor nem charco,
Por um tempo timoneiro de feliz fado.

Por um tempo de desdém
dos laivos de breu que agora atravessam as cores
desse longínquo prado
outrora de lírio tão amado
agora com veredas de ninguém!

 Emília Lemos, Sussurros e Caudais, Corpos editora, 2012